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Hipólito da Costa era Ninja

Por Alberto Dines em 20/08/2013
 
Há um clima de estupidez no ar. Estupidez no sentido de barbárie, estupidez no sentido de estultice. Felizmente longe das guerras, damos a volta ao mundo em busca de um belicismo extemporâneo que distribui tacapes a quem deveria ocupar-se em construir consensos.

Para enfrentar o frio e/ou o esvaziamento das redações, nossa mídia empenha-se num esquentamento generalizado. Quer barulho, calor. A vítima do mais recente exercício de tiro ao alvo tem sido a nanica Mídia Ninja, subitamente alçada à posição de destaque pela própria grande mídia.

Arrependida e para não se desmoralizar, girou para o lado suas metralhadoras midiáticas e descarregou seu furor contra o coletivo musical chamado Fora do Eixo, onde o projeto Ninja foi incubado. O criador desse circuito alternativo, Pablo Capilé, foi convertido em Inimigo Público nº 1 e em seguida linchado pelas manadas de predadores das redes ditas sociais. É possível que o FdE tenha cometido erros e enveredado pelo caminho das simplificações, mas qualquer experiência antes de ser bem sucedida atrapalha-se com enganos.

A Mídia Ninja, comandada por Bruno Torturra, passou a chamar a atenção no exato momento em que o país começou a reparar nos absurdos e abismos para os quais estava (está?) sendo conduzido. Tal como as Jornadas de Junho, é um fenômeno – e os fenômenos precisam ser observados, comparados, referenciados, discutidos. Sobretudo aproveitados.

Injeção de ânimo

História é mudança, jornalismo é mudança em alta pressão, mudanças não percebidas geram desastres. Em abril passado, a indústria jornalística brasileira finalmente assumiu a sua crise identitária e estrutural. Em junho, enquanto a sociedade ia para as ruas tentando vocalizar suas frustrações, patenteou-se a incapacidade de nossa imprensa – e de nossas lideranças políticas, acadêmicas e administrativas – em perceber o que acontecia além dos respectivos umbigos.

A Mídia Ninja destacou-se naquele momento. Foi parar no Jornal Nacional – o registro oficial, autorizado, do que acontece. E essa façanha não foi casual, resultou da pasmaceira generalizada, do culto aos formatos rígidos e à inovação burocratizada.

Os Ninja entraram em campo com a tecnologia a serviço da autenticidade, da instantaneidade, e não a serviço da cosmética, do glamour e da falsa informalidade. Não chegou a ser um sacolejo real, foi uma promessa de movimento. Ninguém discutiu o seu “modelo negócio”, todos se animaram com o modelo de despojamento.

O fenômeno equivale ao acontecido nos anos 1960-70, durante a ditadura militar, quando uma imprensa amordaçada ou autocensurada só conseguiu aproveitar as lições e paradigmas da imprensa alternativa, udigrudi (de underground) ou nanica, quando o processo de distensão política já estava em andamento.

Qual era a matéria-prima da imprensa alternativa? A informação não censurada, a opinião livre, A Folha de S.Paulo foi atrás: não apenas criou uma página de opinião (que até então não tinha) como foi preenchê-la com a contratação de um punhado de marginalizados e punidos pela ditadura. Meses depois criou a segunda página de opinião (inspirada na op-ed-page dos americanos) e chegou mesmo a atrair para a equipe do jornal alguns azes da imprensa alternativa (o mais notório, Tarso de Castro, egresso do Pasquim). Pouco depois, o jornal foi obrigado a recuar, esqueceu o surto libertário, e o resto da imprensa fingiu que nada acontecera.

Se não for atalhada, constrangida e manietada, a Mídia Ninja poderá equivaler em matéria de adrenalina, descontração e invenção aos nanicos e alternativos de quarenta anos atrás. Queiram ou não aqueles e aquelas que se consideram proprietários exclusivos da experiência alternativa.

Sentido de direção

A edição do Economist de 10/8 (pág. 30) relembra a história do estudante Soe Myint, que conseguiu escapar da brutal repressão dos militares da antiga Birmânia (hoje Myanmar), refugiou-se na Índia e lá criou uma agência de notícias usando uma rede clandestina de repórteres. O país prepara-se hoje para eleições livres e esses repórteres marginais estão em postos-chave da grande imprensa birmanesa. Eram alternativos, algo Ninjas, fizeram bom jornalismo, ficaram.

Perseguido pelo senador Joseph McCarthy, o repórter investigativo Isidor Fainstein entrou para a história do jornalismo americano como I.F. Stone. Ao longo de 17 anos, escreveu e editou sozinho um newsletter semanal com a melhor cobertura da política americana. Era um Ninja, tornou-se paradigma, instituição.

Antes dele, em 1808, um conterrâneo refugiado em Londres para escapar das malhas da Inquisição lançou um mensário que escreveu e editou sozinho durante 14 anos, o Correio Braziliense. Hipólito da Costa foi um clássico Ninja e tornou-se o patriarca da imprensa livre em língua portuguesa.

Os Ninja capazes de entender o conceito de renovação poderão dar sentido e direção a uma mídia engessada e baratinada.

 

 

Publicado originalmente no site do Observatório.




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Criado em 20/08/2013 - 15:09 e atualizado em 20/08/2013 - 15:09

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