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Pgm 695 - Ruy Mesquita e Roberto Civita - 06/08/2013

 

Para encerrar a série de edições especiais em comemoração aos 15 anos do Observatório da Imprensa na TV, o programa exibiu na terça-feira (6/8) uma homenagem a dois importantes jornalistas e empresários da mídia brasileira falecidos recentemente: Roberto Civita, presidente do Conselho Editorial da Abril, e Ruy Mesquita, diretor responsável do Estado de S.Paulo. Ambos foram entrevistados por Alberto Dines em 1998, ano de estreia do programa. E, nesta edição, os principais trechos daqueles depoimentos foram reapresentados ao telespectador. Para conversar com Dines sobre Civita e Mesquita o programa contou com a presença do jornalista e professor Eugênio Bucci, que trabalhou nas duas empresas e, por isso, conhece de perto o legado profissional deixado por eles.

Em editorial, Dines explicou que Civita e Mesquita estavam convidados a participar da série comemorativa dos 15 anos do programa:

Convidado no início do ano para integrar a série de depoimentos, Roberto Civita aderiu entusiasmado e avisou que agendaria a entrevista depois do carnaval. No carnaval internou-se para submeter-se a uma cirurgia, não saiu com vida do hospital. Sua exuberância e otimismo estão preservados. Mais velho, mais preocupado, Ruy Mesquita relutava, tinha razões para isso. Estão de volta, vivos, afirmativos, cada um à sua maneira, através dos depoimentos que concederam em 1998 quando este Observatório começava. A televisão permite este milagre: um olhar para o passado e o presente fica mais nítido, se explica e se completa”.

Os caminhos da imprensa

Roberto Civita: “Eu continuo sendo mais jornalista do que empresário. Hoje em dia penso mais na importância do que nós temos para dizer do que no negócio. Felizmente, temos gente mais competente do que eu cuidando do negócio, então eu posso cuidar mais das coisas que me interessam, que são todas ligada a conteúdo. Agora, antes de mais nada, eu queria dizer que uma coisa que me preocupa quando se fala em jornalismo: eu continuo achando que jornalismo para certas pessoas é a discussão de política e de economia. E mais nada, o resto não é jornalismo. Eu insisto, e preciso insistir, que jornalismo hoje em dia no mundo, necessariamente, envolve muitas outras coisas e muito importantes. Por que são importantes? Porque são importantes para o leitor, são importantes para o público, importantes para o telespectador. Afinal de contas, nós não estamos fazendo jornalismo para nós mesmos e não estamos fazendo para um pequeno círculo de iniciados. Estamos fazendo para o maior público possível”.

Ruy Mesquita: “Eu fico às vezes impressionado com as condições, a complexidade da elaboração de uma edição de jornal. O parque industrial de um jornal me dá a impressão de uma coisa mastodôntica. Para cada dia você pôr na rua algumas centenas de milhares de exemplares, o que representa isso de trabalho? Envolve o quê? Aqui neste prédio nós temos quatro mil pessoas trabalhando para fazer uma edição de jornal diário. Duas, aliás, porque tem o Jornal da Tarde também. Eu acho que tem espaço para o jornal, mas o jornal fatalmente terá que mudar de concepção. Perder a preocupação de dar a informação em cima da hora e tudo e se dedicar muito mais à complementação da informação que o indivíduo tem eletronicamente na internet, na televisão, nas rádios”.

No estúdio, Dines ressaltou que em 1998, quando o alcance da internet era muito menor, Ruy Mesquita já apontava que o caminho para o jornal impresso era ser um veículo complementar. Eugênio Bucci comentou que, em uma recente entrevista publicada após a morte de Mesquita, o publisher sublinhava que o jornalismo precisa se ocupar de assuntos relevantes e não ficar competindo com o entretenimento. Dines ponderou que, por outro lado, quando Roberto Civita ressalta que jornalismo não é somente política e economia, também estava fazendo uma afirmação correta. E destacou que nos anos 1960 a Editora Abril lançou uma série de publicações de qualidade para diversos segmentos, como automóveis e moda.

Para Bucci, Civita retoma uma filosofia do início do século passado que ainda é atual: “De maneira nenhuma há contradição entre o que o Ruy Mesquita propõe e o que o Roberto está falando. Quando o Roberto diz que o jornalismo está em todas as áreas da vida humana ele retoma um princípio que está na Sociedade Americana dos Editores de Jornais, que publica os parâmetros do jornalismo nos anos 1920 e diz ‘o jornalismo se ocupa de contar para a espécie humana o que os outros membros da espécie humana sentem, pensam, dizem’. Tudo aquilo que é atividade humana é matéria de jornalismo, mas não é matéria de jornalismo a diversão no sentido do espetáculo, da indústria do entretenimento”. O que deve ser evitado, na opinião de Bucci, é transformar o entretenimento em negócio.

Investimentos estrangeiros na mídia e concessões de canais de televisão

Ruy Mesquita: “Eu não vejo nenhum inconveniente. O nosso caso, aliás, foi fortuito. Nós fomos procurados sete ou oito anos atrás. A primeira empresa estrangeira, americana, que chegou aqui com interesse em participar do mercado ante à perspectiva, naquele tempo remoto, da abertura das empresas estatais, foi a Bell South. Ela se associou teoricamente com o Safra e eles, naquela época, achavam que era absolutamente indispensável, tendo em vista exatamente a posição hegemônica e politicamente forte do Grupo Globo, ter o nosso apoio para poder evitar qualquer falcatrua. Naquele tempo não se falava na presidência de Fernando Henrique e nem se sabia o que ia acontecer no futuro, nem nada disso. Mas a razão pela qual eles nos procuraram – nós não dispúnhamos de capital nenhum para aumentar o poder de fogo por esse lado do concorrente – foi exclusivamente política. Eles achavam indispensável que nós fossemos sócios deles para evitar qualquer favorecimento de outros grupos politicamente bem cacifados na eventualidade de uma licitação, como acabou havendo”.

Roberto Civita: “No momento era o governo Figueiredo e um certo contingente da linha dura, e eu vim a saber isso depois, disse: ‘não vamos dar isso [concessões de radiodifusão] para os nossos inimigos’. Tinha na mesma época o Silvio Santos fazendo aquele programa de auditório dele em que todo domingo gritavam, cantavam ‘hei, hei, hei, João é o nosso rei!’, o João Figueiredo. E do outro lado tinha Adolfo Bloch que era mestre, há décadas, em agradar governo, qualquer governo, mas o governo que estivesse. Então, os militares, aí foi [o general Otávio] Medeiros [chefe do SNI – Serviço Nacional de Informações], especificamente, que como os outros não gostava de críticas. Aliás, você e eu não gostamos de críticas, claro que eles não gostavam. E disseram: ‘nós não vamos dar televisão para estes caras, vamos dar para os amigos’. E deram para o Adolfo, e deram para o Silvio”.

Dines criticou a decisão de o governo conceder canais de radiodifusão para quem estava disposto a “aplaudir” a gestão em curso. Bucci ressaltou que a linha editorial dos veículos noticiosos da Abril, sobretudo de Veja, era de investigar e de duvidar do poder. O professor relembrou que a revista publicou uma série de reportagens que apontavam tortura, abuso de poder e corrupção ao longo dos governos militares e teve um papel central no processo político que levou ao impeachment do ex-presidente Fernando Collor, em um momento posterior. Essa linha de enfrentamento foi mantida nas décadas seguintes. “É uma publicação que, com os seus defeitos e méritos, está ao longo desse período todo fustigando o poder. Isso é muito interessante porque o governo militar se recusa a dar um canal de televisão, mas o Roberto Civita viveria problemas com o poder em vários outros governos depois”, disse Bucci.

Financiamento e competitividade

Ruy Mesquita: “A origem da prosperidade da Globo, como você sabe, foi aquele célebre empréstimo, aporte de capital, do grupo Time-Life, que foi oferecido em primeiro lugar a meu pai. Isso é história. Foi oferecido a meu pai, que recusou: ‘não posso nem conversar porque a Constituição brasileira não permite’. Isso aí foi o grande salto da TV Globo – a partir daquele aporte de capital, nos anos 1960. Eles olham a coisa muito mais deste ponto de vista empresarial. Eles tiveram ligações com governos em função dos seus interesses comerciais, empresariais. Eles tiveram ministros. Isso, evidentemente, sempre que possível a gente combate, denuncia e não aceita. Agora, é um problema muito mais da cultura política brasileira do que um problema da briga entre empresas. Por outro lado, nós temos as melhores relações. Eu não conheço porque nunca me dei com o velho Marinho, que é muito mais velho do que eu, é um dos poucos homens mais velhos do que eu, mas os meninos Marinho os meus filhos gostam muito deles, se dão muito bem, acham eles muito bem orientados. É uma mentalidade muito mais sadia, a nova geração. Eu acho que o problema não é deles, é nosso, é da Folha, dos Civita, que estão aí brigando para sobreviver ante a esta força cada vez maior”.

Roberto Civita: “Eu entendo que toda editora de revistas no seu desenvolvimento ela quer chegar ou sonha em fazer uma revista semanal de informação. Eu acho perfeitamente lógico que a Editora Globo tenha decidido fazê-lo [a revista Época]. Eu entendo que fique este sonho. Eu entendo que se queira tirar uma fatia do que Veja conquistou porque é uma fatia grande do bolo de revista, tanto publicitário quanto de circulação. Então, o que eles fizeram? Foram buscar uma fórmula “moderna” na Alemanha que é de escrever menos e ilustrar mais, botar mais figurinhas na página. E eu brinco que o slogan deles é ‘a volta do prazer de ler’, mas eu acho que é ‘a volta do prazer de colecionar figurinhas’. Em todo caso, lançaram com todo aquele poder de fogo da Globo. Tinham um comercial a cada intervalo, tinha os atores das telenovelas “lendo” a revista, tinha merchandising, tinha no Jornal Nacional. Fizeram o diabo para vender a revista. Resultado: estamos há quatro meses, o que é muito pouco, mas a revista vende menos que Veja nas bancas. E dá menos em assinatura. E Veja não perdeu um leitor. Pelo contrário, ganhou leitores. Está vendendo um pouco mais do que vendia quando Época nasceu. Portanto, para nós, primeiro foi bom porque sempre que chega concorrência acorda todo mundo. A circulação do sangue aumenta, a adrenalina entra e as pessoas começam a fazer melhor as coisas”.

De volta ao estúdio, Dines chamou a atenção para o fato de que há quinze anos, os entrevistados expuseram publicamente e com total transparência questões internas das suas empresas, mas hoje a postura das grandes empresas seria mais conservadora nesse sentido. Para Bucci, é bom ver como os dois entrevistados falaram de problemas sérios e inquietações com abertura. Bucci lembrou que a revista Época se consolidou no mercado, enquanto Veja se manteve no mesmo patamar de liderança. Hoje, as principais revistas semanais – Veja, Época, IstoÉ e Carta Capital – trazem abordagens diferentes dos fatos e a concorrência acabou beneficiando o leitor.

Eugênio Bucci ressaltou que a visão de Ruy Mesquita a respeito do domínio da televisão apareceu muitas vezes em editoriais do jornal O Estado de S.Paulo. “O compromisso com uma regulamentação do setor de radiodifusão que iniba propriedade cruzada e a concentração de audiência é uma bandeira democrática antiga que aparece nos editoriais”, disse o jornalista. Bucci ponderou que esse comportamento ajuda a derrubar a tese de que a grande mídia no Brasil é uníssona e que não existem profundas diferenças entre os principais grupos de comunicação.

Internet e concentração

Roberto Civita: “O risco que se tem hoje de concentração é menor do que o que se tinha antigamente. Eu gostaria de dizer que é maior, mas não é. Antigamente, por exemplo, os americanos tinham um monte de leis proibindo o que eles chamam de cross-ownership, que quem tivesse um jornal não pudesse ter uma televisão na mesma cidade, quem tivesse rádio não pudesse ter televisão. [Isso] para desconcentrar e garantir a pluralidade em uma cidade. Fazia muito sentido naquela época. Tanto que eu insisti aqui, durante muitos anos, que o Brasil deveria fazer a mesma coisa. Evitar a concentração não só local, de alguém dominar todos os meios daquele local. Mas hoje em dia, com a multiplicação dos meios, nós temos não só os canais abertos, que são sete, como temos também 150 canais de televisão por assinatura. Esses canais não estão abertos para o público em geral e, por enquanto, a penetração no Brasil é pequena, mas vai aumentar. Nos países mais avançados nisso, onde o governo permitiu que isso seguisse, começasse bem antes – tem países que têm TV a cabo há 30 anos, nós temos há cinco, acho que nem isso – nesse caso, chega a 30, 40, 60% da população e chega com um enorme leque de alternativas. A internet faz a mesma coisa, o mundo se abre para quem tem acesso à internet. Então, o risco do domínio diminuiu”.

Ruy Mesquita: “Eu tenho, evidentemente, medo da hegemonia total de qualquer grupo. A Globo tem características especiais, porque ela não é apenas uma empresa jornalística. O interesse do velho Marinho... o Marinho nunca foi jornalista. O Marinho foi um grande empresário. Coisa que o meu pai nunca foi. O meu pai morreu depois de duas gerações de Mesquita trabalhando exclusivamente nesta empresa e deixou para nós a participação acionária dele aqui. Não tinha nenhum interesse empresarial fora da empresa O Estado de S.Paulo. O Marinho, não. O Marinho teve banco, tem banco até hoje, e outras coisas. E construiu um império fantástico e é justificado o temor de que ele elimine os seus concorrentes. Agora, isso tem problema, na minha opinião, não de interferência de governo. É problema de competência do concorrente. É esse enfoque que o Francisco Mesquita Neto, que eu chamo de Chico, tem. Ele diz: ‘Ou nós chegamos perto deles em termos de faturamento ou mais cedo ou mais tarde a gente corre o risco de sobrar’”.

No debate no estúdio, Dines enfatizou que, em sua opinião, Roberto Marinho teve uma forte atuação como jornalista, não apenas empresário. “Era um homem de redação. Eu nunca trabalhei com ele, mas estive com ele em várias ocasiões onde seu olhar de jornalista foi decisivo”. Bucci colocou em perspectiva a visão de Civita sobre a propriedade cruzada dos meios de comunicação. Para o jornalista, o preceito foi relativizado, mas se mantém nas democracias. “Nos anos 1990 havia um impulso muito grande de relativização desses limites, flexibilização. Isso pegou nos Estados Unidos, na Grã-Bretanha, em vários países da Europa. É uma mentalidade em que julgávamos o seguinte: como as novas tecnologias vão permitir que uma pessoa sozinha dentro de casa tenha uma TV, uma emissora de rádio, tudo pela internet, e um jornalzinho, não faz sentido pôr limite para isso porque isso não significa poder econômico.”

 




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Criado em 09/08/2013 - 18:59 e atualizado em 09/08/2013 - 18:59

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