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Moicanos de luto e cada vez mais escassos

Por Alberto Dines em 04/06/2013

Em belo e emocionado texto, Fernão Lara Mesquita garantiu que o pai não será o último, sempre haverá “moicanos” para travar o bom combate (ver “Haverá sempre moicanos”, O Estado de S.Paulo, 22/5, pág. 2). A esperança é legitima, como todas. Esta, porém, tem curtíssimo prazo de validade e exemplos pouco edificantes.

A imprensa brasileira vive um dos seus mais dramáticos momentos e as mortes de Roberto Civita e Ruy Mesquita ampliaram essa perda a muitos quadrantes. Muito além das homenagens e retrospectos.

Pertenceram a gerações diferentes, tiveram origens, ambientes e posições familiares distintas, e embora sempre trabalhassem na mesma cidade, a poucos quilômetros de distância, no mesmo ofício, com igual dedicação e destaque, defendendo com igual convicção posições assemelhadas, suas relações foram frias. A proximidade entre as duas mortes – seis dias – e o momento em que ocorreram aproxima irremediavelmente estes dois monumentos do jornalismo brasileiro.

“Moicanos” ausentes

O nome do seu diretor de Opinião manteve-se no expediente do Estadão no dia imediato ao anúncio da morte (22/5), mas sumiu a partir da edição seguinte. Na última edição de Veja, o de Roberto Civita continuou no lugar de sempre – editor e presidente do Conselho Editorial. Certamente, haverá alterações, mas sem a troca algo impiedosa ocorrida no cabeçalho da Página 3 do jornal de Ruy Mesquita.

Roberto era o primogênito da família, criador de Veja e presidente de facto do Grupo Abril durante algumas décadas, mesmo quando o pai, Victor Civita, era vivo ou quando posteriormente trocava nominalmente de função no afã de atender suas próprias angústias para criar um esquema sucessório.

Ruy Mesquita será lembrado como o jornalista puro-sangue, estilo romântico ou épico – dá no mesmo –, mas absolutamente alheio ao balancete do fim do mês. O dia seguinte resumia-se à escolha da manchete ou a dosagem de dinamite a ser empregada nos editoriais.

Coração e cérebro de um conglomerado gigantesco que ajudou a criar, manter e expandir, com o mesmo pedigree jornalístico nas veias, Roberto Civita era o publisher do mais importante semanário brasileiro e, ao mesmo tempo, de uma centena de outros títulos. Tinha, sobretudo, um compromisso inusitado na indústria jornalística: cuidar dos dividendos a serem pagos aos acionistas. Nesta questão os doze anos entre Ruy e Roberto fazem uma enorme diferença. Seus mundos são outros, em algumas esferas diametralmente opostos.

Convictamente liberais, tentaram a difícil conciliação do liberalismo econômico com o liberalismo político. Ficaram aquém: de boa-fé, o Estadão deixou-se enredar pelos excessos da fé e entregou-se à miragem de eficiência que se irradiava do Opus Dei sem se dar conta do ônus político e jornalístico que representa este convívio com o fanatismo religioso.

Com as melhores intenções, os conselheiros de Veja imaginaram que a adesão irrestrita aos valores da economia de mercado significaria um endosso ao Estado democrático. A histeria do Tea Party e de seus adeptos nativos mostraram o quanto se equivocaram. Os dirigentes chineses também acreditam na livre iniciativa.

Quando Ruy Mesquita foi internado, no dia 25/4, com toda certeza já sabia da “compactação” a que fora submetido o Estadão a partir do dia 22/4. E nela os “moicanos” estiveram rigorosamente ausentes. Compreende-se: os que sobraram da degola precisavam cuidar de si mesmos. E os degolados não queriam sair em busca de emprego com a marca de rebeldes na testa (ver, neste Observatório, “Quem matou o ‘Sabático’?”).

Luto pesado

O Valor Econômico iniciou o seu ritual de sangramento sem qualquer registro de “moicanismos” (ver "Pressão de acionistas provoca 50 demissões"). Também não há moicanos protestando contra o simultâneo enxugamento dos jornalões. Este nivelamento por baixo da mídia impressa associado à degradação da mídia eletrônica é uma perversa homenagem à “inclusão” das classes C e D. Quando alcançarem a classe B restarão ruínas, no máximo nostalgias.

Fazer jornalismo adulto é caro, a informalidade e as abobrinhas custam uma ninharia. A verdade é que o triunfo da internet ocorrerá no Brasil, por antecipação, sem qualquer confronto com a mídia tradicional.

Pura capitulação.

Nestas circunstâncias, o luto dos familiares e amigos de Roberto Civita e Ruy Mesquita torna-se ainda mais pesado e angustiante.

 

 

Originalmente publicado no Observatório da Imprensa




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Criado em 04/06/2013 - 13:40 e atualizado em 04/06/2013 - 13:40

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