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Pgm 664 - Fim do jornal impresso - 06/11/2012

 

Uma pergunta ronda as redações: o jornal em papel sobreviverá ao avanço das novas formas de comunicação? Para os mais apressados, o futuro já chegou. Basta contar os dias. Enquanto isso, os “papeleiros” sustentam que a migração completa para o suporte digital não é uma preocupação urgente, e que a palavra impressa se sobrepõe ao encantamento com a tecnologia. Em jogo, a crise do jornal como negócio e a relevância do jornalismo na sociedade.

Em todo o mundo, publicações anunciam as últimas edições e deixam órfã uma geração de leitores. Recentemente, o semanário americano Newsweek anunciou o fim da sua edição impressa e, na quarta-feira (31/10), o diário paulistano Jornal da Tarde despediu-se dos leitores. Um dos impressos mais prestigiados do mundo, o espanhol El País, demitiu uma leva de funcionários e confirmou que vive uma grave crise financeira. O Observatório da Imprensa exibido ao vivo na terça-feira (6/11) pela TV Brasil discutiu o futuro do jornal em papel.

Alberto Dines recebeu no Rio de Janeiro os jornalistas Luiz Fernando Gomes e Pedro Doria. Editor-chefe do Lance!, do Lancenet, do Lance!TV e Lance!Mobile, Luiz Fernando Gomes trabalhou no Jornal do Brasil e em O Dia. Durante três anos foi editor-executivo do Jornal da Tarde. Pedro Doria é editor executivo de plataformas digitais e colunista de O Globo. Foi editor-chefe de conteúdos digitais de O Estado de S.Paulo e colunista da Folha de S.Paulo. É um dos fundadores dos sites No. e NoMínimo. Em São Paulo, o programa contou com a presença de Marion Strecker, cofundadora do UOL e colunista da Folha. Marion trabalhou por 12 anos na Folha, onde foi crítica de arte, editora da Ilustrada e repórter especial. Liderou o processo de informatização do Banco de Dados e outros projetos de uso intensivo de tecnologia para fins jornalísticos e foi coautora do Manual da Redação da Folha.

O fim de uma era?

Em editorial, antes do debate ao vivo, Dines ressaltou que a mídia vive tempos de angústia. “A pujança da nossa civilização nos últimos milênios apoiou-se paradoxalmente num produto extremamente frágil, vulnerável, perecível: o papel. E o papel, segundo anunciam as ‘cassandras’, está com os dias contados. O que antes funcionava no espaço e medido em centímetros, agora foi transformado em bits, bytes, impulsos armazenados em chips microscópicos ou nas nuvens”, disse Dines. O jornalista comentou que o futuro do jornal em papel foi discutido na assembleia da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), realizada há três semanas em São Paulo: “Um dos depoimentos mais emocionados veio de um dos jornalistas mais bem sucedidos, o criador e atual presidente do El País, um dos melhores jornais do mundo, Juan Luís Cebrián, que já esteve aqui neste programa. Disse Cebrián: ‘Há 50 anos faço jornais de papel e morrerei fazendo jornais de papel’”.

Ainda antes do debate no estúdio, o Observatório exibiu um depoimento exclusivo enviado por Cebrián. O presidente do El País comentou que o conceituado professor Philip Meyer, referência na academia norte-americana, anunciou que os jornais de papel desapareceriam na década de 2040. No entanto, na avaliação de Cebrián, o professor profetizou o desaparecimento das pessoas interessadas em comprar os jornais e, paralelamente, dos sistemas de distribuição.

É evidente o desaparecimento do suporte de papel para os meios de informação. Mas as mudanças estão muitos aceleradas este ano e no ano passado. Eu creio que, sobretudo para os jornais de referência, de qualidade, como El País, The New York Times e Le Monde, acabe ou não o suporte em papel, durarão bastante tempo. Estimo que mais de duas décadas – ainda que diminuam os números em circulação, sejam mais caros e se dirijam a uma elite. E seguirão servindo para organizar um pouco o ciberespaço, onde há muita confusão. Portanto, creio que vai diminuindo a presença dos jornais impressos, sobretudo os de qualidade”, sublinhou Cebrián.

Cebrián comentou que jornais centenários, como o Christian Science Monitor pararam de circular e que há cidades nos Estados Unidos com milhares de habitantes que não têm jornal em papel. “O desemprego é de 40 mil jornalistas nos Estados Unidos nos últimos anos, 7 mil na Espanha. É uma mudança revolucionária nos meios de comunicação. Estamos sendo testemunhas que a internet é uma mudança na civilização e afeta os hábitos dos consumidores muito mais do que imaginávamos”, admitiu o presidente do El País.

A publicidade como vilã

Para Rosental Calmon Alves, diretor do Knight Center of Journalism in the America (da Universidade do Texas, em Austin), as publicações feitas apenas em suporte físico já acabaram: “O jornal hoje já é um híbrido de átomos e bits. Qualquer jornal hoje é inconcebível que não tenha a sua presença digital na internet e em outras plataformas. Existe já uma transformação do negócio do jornal, do papel que o jornal exerce na vida das pessoas”. O jornalista ressaltou que há uma profunda queda na percepção do jornal como meio de comunicação, quando observado apenas a partir da sua edição em papel.

A decadência da relevância do jornal impresso nos Estados Unidos e no Canadá é um processo lento e antigo. Rosental Calmon Alves ressaltou que há seis décadas a penetração do jornal em papel vem diminuindo. Nos últimos anos, houve o impacto de fatores circunstanciais, como a recessão, e problemas estruturais causados pela revolução digital. “Não é a circulação que está desabando de uma hora para outra. É a publicidade que está saindo”, alertou o jornalista. Para ele, a queda nos anúncios é uma situação dramática e insustentável.

O correspondente Silio Boccanera, baseado no Reino Unido, comentou o caso do The Guardian, que vive uma onda de boatos sobre o seu fechamento. O jornalista contou que os diretores do Guardian desmentiram com veemência a notícia sobre o fim da edição impressa do jornal publicada pelo concorrente Daily Telegraph. Apenas a edição online, que tem visibilidade internacional e sustenta-se economicamente, seria mantida. Boccanera comentou que o jornal, de fato, perde o equivalente a R$ 300 mil por dia com a edição impressa:

Mas é preciso levar em conta que o grupo proprietário do Guardian não é uma empresa com fins lucrativos, ao contrário do que ocorre com jornais brasileiros ou mesmo aqui com outros órgãos da imprensa escrita e no resto do mundo”, ponderou Boccanera. De acordo com ele, uma combinação de queda constante de circulação e perda de anunciantes acentuada levou a iniciativas para baixar custos, como programas de demissão voluntária. Boccanera disse que, no momento, o fechamento do jornal foi desmentido mas, a longo prazo, o fim da edição impressa pode ser factível.

O barulho da internet

Para Muniz Sodré, professor titular da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é preciso levar em conta que as formas sociais, como o jornalismo, não são eternas. “A questão fundamental é saber se a função informacional ainda é necessária, se ainda há lugar para a função informativa. Esse é que é o grande problema”, disse. Para o professor, o jornalismo das grandes causas morreu porque os leitores não estão mais interessados em análise e crítica. “A internet é anárquica, caótica. A informação que passa ali é um falatório. É a coisa mais superficial, mais anódina, mais boba do mundo. Mas esse julgamento que estou fazendo ainda é o julgamento de quem tem a cabeça do jornal de papel”, disse Muniz Sodré.

No debate ao vivo, Pedro Doria garantiu não estar aflito com o fim do jornal em papel porque tanto a publicação impressa quanto com as mídias digitais têm um grande potencial. Citando a frase de Cebrián, o jornalista comentou: “Eu vou morrer trabalhando em uma redação. A única preocupação que realmente tenho não é se o jornal vai acabar ou não – a minha intuição é de que não vai acabar, mas se acabar não tem problema. O importante é ter uma redação experiente, muitas redações experientes, não para levantar opinião, mas para levantar informações sobre o que os governos estão fazendo, o que a sociedade está fazendo, o que está acontecendo. É isso, no fim das contas, que sustenta a democracia”.

Para o editor executivo de plataformas digitais de O Globo, as novas mídias não tornam o jornalismo necessariamente superficial. “Não há uma fuga da profundidade, da análise, do pensamento”, defendeu Doria. O jornalista ressaltou que há publicações impressas de perfil analítico que aumentaram a circulação nos últimos anos, como a revista The Economist. Outro exemplo é a revista norte-americana The New Yorker. Fundada nos anos 1920 dentro dos cânones do jornalismo literário, a publicação tem altos índices de leitura em tablets, mesmo com suas longas reportagens.

A crise generalizada

Grande parte da crise vivida pela mídia, na opinião de Pedro Doria, não é resultado apenas do impacto das tecnologias: decorre da instabilidade econômica pela qual passa o mundo ocidental. Outros setores também apresentam altos índices de fechamento de empresas. A situação dos jornais é mais grave justamente na Espanha e nos Estados Unidos, países onde o impacto financeiro foi mais forte. “A gente não pode tirar isso da equação. Veja a curva do fechamento dos jornais americanos. Em 2007, um jornal fechou. Em 2008 foram quarenta e poucos. Em 2009, cento quarenta e tantos. Quando você chega em 2010 cai para a casa de 20”, detalhou Doria.

Dines perguntou a Marion o porquê de a Folha de S.Paulo, um jornal ágil e provocador, ter um portal de internet aquém da importância do jornal impresso. Para Dines, a versão online deveria ser muito mais criativa porque tem 24 horas para explorar o potencial das notícias. Em tom de brincadeira, Marion Strecker disse que o problema é justamente ter o dia todo para atualizar as informações. Para ela, seria necessário um alto investimento das empresas para produzir um jornalismo online de qualidade, que pudesse concorrer com os veículos tradicionais tirando partido das características da internet, como linguagem de vídeo e interatividade. Com algumas exceções, o jornalismo online não alcançou o mesmo peso, sobretudo político, que tem a imprensa tradicional.

Por outro lado, estou vendo uma crise na profissão de jornalista. Nunca os jornalistas estiveram tão preocupados com o seu futuro profissional como estão agora. Nós, jornalistas, ao invés de estarmos discutindo jornalismo aqui, ficamos discutindo modelo de negócios, assuntos que eram dos patrões, e não dos jornalistas. Parece que está havendo uma crise de patrões, parece que está faltando patrões para os jornalistas, que estão tendo que se tornar empreendedores”, avaliou Marion Strecker. Um exemplo dessa situação é a necessidade de os profissionais de imprensa terem dois ou três empregos, como ocorria há 80 anos. O prestígio do jornalista na sociedade também vem diminuindo com o tempo, na avaliação de Marion Strecker.

Os empresários, de forma geral, têm uma atitude muito conservadora com relação à internet. Primeiro, demoram muito para decidir entrar. E quando decidem entrar, frequentemente decidem entrar da pior forma, tentando levar exatamente o mesmo modelo de negócio, o mesmo tipo de conteúdo para o novo meio digital”, criticou Marion. A cofundadora do UOL citou o exemplo dos classificados. Enquanto as grandes publicações em todo o mundo tentavam proteger a lucrativa fonte de renda dos anúncios impressos, surgiram empresas virtuais de classificados para ocupar o espaço na rede. Agora, os jornais enfrentam problemas para reverter o quadro. “Quem tem medo do fracasso, não sai de casa”, disse a jornalista.

Imprensa no vermelho

Luiz Fernando Gomes destacou que o poder do jornalismo é ainda maior no momento em que as mídias sociais multiplicam as fontes de informação. Para o editor dos veículos do grupo Lance!, o jornalismo com qualidade, independente e profissional terá, em qualquer plataforma, um papel eterno. E pode ser um contraponto às facilidades que a digitalização das plataformas inseriu no cenário da mídia.

Dines comentou que o Jornal da Tarde parecia ter um longo futuro e que o anúncio de seu fechamento surpreendeu os leitores. Luiz Fernando Gomes explicou que é cômodo atribuir o fim do JT apenas à crise das publicações em papel. No entanto, o diário passava por um problema de identidade. Há alguns anos buscava recuperar a imagem de um título voltado para o público mais jovem que expressava a voz das grandes causas de São Paulo. “O jornal precisa ter alma, precisa ter uma identidade e o JT tinha perdido aquela personalidade inicial, revolucionária”, disse o jornalista.

Marion Strecker destacou que o jornal tinha a tiragem diária de 38 mil exemplares, considerada baixa para uma cidade como São Paulo, com 20 milhões de habitantes. “O Jornal da Tarde foi fechado por uma razão muito simples: ele estava no vermelho, não dava lucro. A empresa teve que tomar uma decisão de cortar custos e teve que cortar o irmão mais novo em benefício do irmão mais velho, que é o Estadão”, disse a colunista da Folha. Para ela, a publicação tinha um perfil popular, com textos curtos e bem humorados. Por isso, é curioso que não tenha aproveitado estas características para se destacar na internet.

 




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Criado em 28/12/2012 - 16:09 e atualizado em 28/12/2012 - 16:09

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