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Brasil X Brasil na Copa de 2014. Que jogo é esse?

Por Mauricio Murad 

 

A Copa de 2014 será no Brasil. Então, temos que nos preparar, porque o país escolhido hoje pode ser descredenciado amanhã.

Como organizar um megaevento esportivo, segundo os padrões internacionais, fixados a partir das Olimpíadas de 92, em Barcelona, marco divisor da história da capital da Catalunha? A primeira coisa é avaliar: 1) a última competição equivalente realizada, a Copa da Alemanha/2006; 2) o último grande torneio que o país sediou, o Pan-2007/RJ, e 3) suas outras pretensões, como as Olimpíadas de 2016. Diga-se que o COI já credenciou o Rio como cidade olímpica candidata. A segunda diz que as avaliações têm que ser científicas, para ajudar o planejamento, a execução e a gestão do legado. Então, vamos convocar uma pequena seleção de dados e informações de pesquisas feitas pela UERJ e pelo Mestrado da Universo, que podem auxiliar.

A Copa na Alemanha foi um projeto da sociedade alemã e uma ajuda à inclusão e ao desenvolvimento. Por mais de 5 anos o país investiu muito em infra-estrutura, turismo, pesquisa, cultura, educação, além de campanhas na mídia, nas ruas e nas escolas, mostrando o evento como uma grande oportunidade e o futebol como patrimônio cultural.

O lema dos quase 1 milhão de alemães, homens e mulheres, que cantaram e dançaram no último dia do Mundial, no Portão de Brandemburgo, não deixou dúvida: “a Itália ganhou uma Copa; a Alemanha ganhou uma alma”.

A segurança pública em megaeventos é sempre prioridade, para garantir os investimentos, a integridade das pessoas, a festa popular. Na Alemanha/2006 foi assim e o apoio das polícias internacionais deu exemplo e seguiu o previsto no planejamento. Segurança não pode se resumir a repressão: pesquisa, inteligência e prevenção, eis o que se faz necessário. E mais ainda em realidades como a brasileira, com práticas de violência estruturais e históricas, decorrentes de mais de 350 anos de escravidão e de uma sociedade altamente concentradora de riqueza, poder e oportunidade.

Na Alemanha, a lei foi aplicada com autoridade, rapidez e teve por base trabalhos científicos, como a restrição e controle na venda e consumo de álcool. Esta é causa da violência no país: 7000 delitos por alcoolismo na média mensal, com 875 feridos, sendo 200 policiais. Desenvolver a cooperação polícia-população e os fundamentos sócio-educacionais do esporte são pré-condições para os grandes eventos esportivos e devem ficar como legado, de acordo com a FIFA e o COI. Na Copa de 2006 e no Pan 2007, esses critérios foram considerados imprescindíveis. Lá, isto ocorreu. E aqui?

Para responder a esta indagação, durante o Pan foi feito um estudo sobre a segurança e o sentido pedagógico dos Jogos no Rio, com 2410 homens e mulheres de diferentes idades, classe social e escolaridade. Do total, 89% sabiam muito pouco do plano de segurança. Pior que a desinformação, para 72% dos entrevistados o objetivo de se criar um conceito novo de segurança não foi alcançado, e isto porque passou ao largo do envolvimento dos moradores para se construir uma rede de apoio à ação das autoridades que ficasse. Este envolvimento e esta rede de apoio estavam previstos como fatores de grande importância.

Pouco será o legado do Pan, para 83% dos pesquisados. A descrença nas autoridades e o sentimento de impunidade (traços históricos do país) foram muito freqüentes, quase unânimes entre os jovens (14 a 25 anos), o que é ainda mais grave, já que a juventude faz o futuro. Eis as razões: “isso é só pra gringo, depois a violência volta” e “não há uma política educacional para ocupar as áreas esportivas”. Importante: foi observado um aumento da descrença e do sentimento de impunidade, após o desastre aéreo, em Congonhas, SP, dia 17 de julho.

O policiamento ostensivo, maior ganho do Pan para 78%, deveria ficar, porque “ajuda a reduzir o clima de insegurança e mesmo a criminalidade”. Pedem também melhorias no transporte coletivo e no trânsito - “engarrafamento facilita arrastão”; na iluminação - “escuridão incentiva violência”; leis duras e ações preventivas; integração entre município, estado e união na área de segurança, considerada essencial (93%) para melhorar a qualidade de vida em todos os bairros estudados.

Houve propostas estruturais, como aumentar o emprego e a renda, melhorar educação e moradia. Sociologicamente interessante é que as sugestões imediatas predominaram nas classes mais altas. As de longo alcance, nas camadas mais baixas. Já entre os jovens de todas as classes houve coincidência na herança desejada: uma imediata – aplicação da lei – outra estrutural – mais emprego. Ambas vistas como complementares por 67% deles.

A Copa de 2006 foi um sucesso. O Rio não fez feio no Pan. Mas aqui deveríamos ter feito mais, controlado melhor os custos e mantido em plena atuação os mecanismos de segurança pública. Já que a Copa de 2014 bate à porta e já que queremos as Olimpíadas de 2016, que tal estudar, criticar e aprender com quem já fez?

Historicamente, esporte é atividade sócio-educativa, expressão de identidade, fator de socialização. Não resolve questões básicas, mas pode agregar valores relevantes de “consciência social” e, assim, dar mais legitimidade aos projetos coletivos.

 

Mauricio Murad é sociólogo e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e do mestrado da Universo (RJ). Seu livro mais recente é A violência e o futebol: dos estudos clássicos aos dias de hoje, Editora da FGV, RJ, 2007.

Fonte: www.revistadehistoria.com.br




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Criado em 05/03/2013 - 15:16 e atualizado em 05/03/2013 - 15:16

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