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Pgm 696 - Lei de Acesso à Informação - 13/08/2013

 

Em junho, quando os primeiros protestos exigindo o combate à corrupção e melhorias na qualidade dos serviços públicos começavam a tomar as ruas do país, a Lei de Acesso a Informações Públicas completava um ano em vigor. Ferramenta indispensável para a transparência e o controle social dos gastos governamentais, a lei ainda não contagiou a população. Ela vale para órgãos públicos dos três poderes nas esferas federal, estadual, distrital e municipal. Dados de interesse coletivo, exceto os sigilosos, podem ser solicitados sem a apresentação de justificativas. O prazo para resposta é de, no máximo, um mês. Um levantamento feito pelo Poder Executivo mostrou que no primeiro ano de vigência da lei foram feitos mais de 88 mil pedidos a órgãos federais. O acesso foi permitido em mais de 80% dos casos.

Mesmo no Poder Executivo as respostas podem não ser satisfatórias. Uma pesquisa feita pela organização Artigo 19, dedicada à proteção da liberdade de expressão e informação, mostra que as agências reguladoras deixaram de responder a cerca de 70% dos pedidos de informação. E mais da metade das requisições feitas aos Executivos municipal e estadual não foram respondidas. Para a organização, o silêncio ainda é a regra e não a exceção. O Observatório da Imprensa exibido ao vivo pela TV Brasil na terça-feira (13/8) discutiu como a Lei de Acesso à Informação pode ser usada pela mídia e pela população para pressionar o poder público.

Para discutir este tema, Alberto Dines recebeu em Brasília o ministro Jorge Hage, da Controladoria Geral da União (CGU), e o jornalista Fernando Rodrigues, repórter e colunista da Folha de S.Paulo. Mestre em Administração Pública pela University of Southern California e em Direito Público pela Universidade de Brasília (UnB), Hage foi professor e pró-reitor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), prefeito de Salvador e deputado federal. Fernando Rodrigues é diretor e fundador da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e coordena o Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas. Foi editor de Economia e correspondente internacional. No Rio de Janeiro, o programa contou com a presença do jornalista Chico Otávio, repórter especial do jornal O Globo. Professor da PUC-Rio, recebeu cinco vezes o Prêmio Esso. É autor de reportagens de destaque como o escândalo da LBV, a máfia do INSS, o caso Riocentro e fraudes nas importações.

Vetor de mudança

Em editorial, antes do debate ao vivo, Dines sublinhou que a Lei de Acesso tem um papel decisivo para sustentar as demandas por mudança da sociedade. “Por mais ágil, responsável e pluralista que seja a imprensa, sem um sistema eficaz de saca-rolhas, a sociedade torna-se cega, surda e, sobretudo, alheia ao que está acontecendo nas diferentes esferas e instâncias do poder. Este Observatório já tratou do acesso à informação na véspera da entrada em vigor da lei assinada pela presidente Dilma Rousseff, em maio do ano passado. Agora é hora de examinar resultados, verificar falhas e, principalmente, identificar os focos de resistência ao pleno acesso”.

A reportagem exibida antes do debate ao vivo entrevistou o antropólogo Roberto DaMatta, que coordenou uma pesquisa sobre a Lei de Acesso. Para ele, o governo deveria ter conscientizado a população: “As pessoas não sabem em geral sobre a lei porque faltou divulgação e, sobretudo, uma campanha – como eu disse e tinha razão – que explicasse melhor o alcance dessa lei, as implicações dessa lei, não somente para os cidadãos, para os seus interesses pessoais, mas, sobretudo, em relação à própria democracia brasileira. Tem a ver com uma espécie de alheamento, que a gente agora está começando a perder, uma ideia de que não adianta fazer nada porque o Brasil já vem caminhando errado há muito tempo e a gente não conserta, que eu acho que é uma visão errada”.

Para ele, é preciso discutir o porquê de tão poucas pessoas procurarem fazer uso das prerrogativas dessa lei. “O que é interessante nessa lei é que ela é uma ponte entre essas duas entidades: uma que é muito falada, muito exaltada, que é o Estado, cujos membros acham que sabem todos os problemas do Brasil, que têm uma visão da realidade que nós, que não estamos no Estado não temos; e a sociedade, que em geral é quem paga o pato, quem inclusive sustenta esses funcionários todos que não têm muita noção de que são pagos pelo nosso dinheiro”, criticou o antropólogo.

Ainda longe do ideal

O diretor da organização Contas Abertas, Gil Castello Branco, afirmou que a lei ainda não está vigorando no país de forma plena. Apenas 8% dos 5.564 municípios brasileiros a implementaram. “A lei ainda não tem uma vigência nacional, nos municípios a dificuldade é ainda muito maior do que nos estados, e nos estados ainda é maior do que no governo federal, sobretudo no Legislativo e no Judiciário, que também oferecem resistência a essas divulgações”, explicou. De acordo com ele, o processo está bastante simplificado no Poder Executivo Federal porque foi criado um site específico para o encaminhamento e acompanhamento das demandas. Já no Legislativo o mecanismo é extremamente confuso, o que pode ser uma forma de esconder a informação global.

Além de auxiliar a população a monitorar os gastos públicos, a Lei de Acesso também pode ter um forte impacto para a pesquisa na área de Ciências Sociais. O historiador Carlos Fico contou que sempre tinha dificuldades em ter acesso a alguns documentos da ditadura militar, mas que com a Lei de Acesso à Informação os servidores passaram a liberar o material. “Logo depois da aprovação da lei eu fui ao Arquivo Nacional e fiz um requerimento solicitando uma série de documentos que até então eu não tinha acesso, justamente para testar a funcionalidade da Lei de Acesso. Não só para mim, vários alunos meus, orientandos de mestrado e doutorado, fizeram esse mesmo pedido e felizmente correu tudo bem”, disse o historiador. Carlos Fico acredita que a Lei de Acesso faz parte de um processo pedagógico da cultura política da sociedade brasileira que irá ajudar a consolidação dos direitos civis.

Guilherme Canela, assessor de Comunicação e Informação da UNESCO para o Mercosul, explicou que as leis de acesso à informação pública ganharam importância significativa na América Latina nos últimos dez anos. “Hoje são 12 países que contam com leis bastante amplas em relação a essa matéria, e em quase todos os casos essas leis foram aprovadas a partir de uma demanda bastante significativa das diferentes associações de jornalistas, sobretudo de jornalistas investigativos. Então, não só os jornalistas latino-americanos utilizam as leis de acesso à informação no seu dia a dia, como [também] eles estiveram no processo mesmo de constituição, aprovação e discussão inicial dessas leis em diferentes países”, disse Canela. Com o tempo, as leis de acesso estão sendo cada vez mais utilizadas por diferentes setores da sociedade, como empresários e representantes de organizações não governamentais.

O jornalista Diego Cabot, do diário argentino La Nación, explicou que em seu país não existe uma lei de acesso à informação pública. “No fim de 2004, foi sancionado um decreto presidencial de [Néstor] Kirchner que regulava um tipo de procedimento para pedir informação de algum lugar. Não é uma lei, é um decreto. A verdade é que os órgãos públicos o cumprem de má vontade, são bastante resistentes a cumpri-lo. Estou cansado de pedir informações de [determinados] assuntos. Por exemplo, eu pedia os voos que a presidente da nação contratava para trasladar funcionários, que é dinheiro público e deveria ser informação possível de encontrar. Nunca me responderam. A verdade é que o decreto não é uma lei, e se o órgão não responde a informação, o jornalista tem que ir à Justiça iniciar uma ação que é muito lenta, demorada e dura muitos anos. Não há um procedimento administrativo que obrigue um órgão a cumprir. Se não, tem que recorrer à Justiça”, disse Cabot. Segundo ele, esse panorama afeta ainda mais a imprensa porque acaba exigindo a presença de advogados e aumentando os custos do processo.

Mais divulgação

No debate ao vivo, o ministro Jorge Hage explicou que a CGU acompanha a evolução da implementação da Lei de Acesso em todas as esferas, mas não tem poder para interferir nos outros poderes. Apenas 16 estados e 14 prefeituras de capitais já regulamentaram a lei. Entre os municípios o andamento é ainda mais lento. Mesmo entre os que têm mais de 100 mil habitantes, apenas 13% implementaram a lei. Para tentar acelerar o processo, o governo federal está lançando um programa chamado Brasil Transparente, que irá oferecer cooperação técnica sobre os sistemas de controle e acompanhamento de pedidos de informação, capacitação de funcionários públicos e distribuição de material informativo.

Nós sabemos das dificuldades [nos outros poderes] através da imprensa, das reclamações dos jornalistas. No que toca ao governo federal, é evidente que existem áreas mais sensíveis, onde há uma maior incidência de justificativas, certa ou errada, de negar uma informação porque aí há a incidência de sigilos assegurados por leis anteriores”, explicou o ministro. Precisam ser protegidos alguns dados bancários e fiscais. As empresas estatais que atuam em regime competitivo podem negar informações consideradas privilegiadas. “Determinadas áreas, naturalmente, pelo seu próprio campo de atuação, são mais expostas a possibilidades de ocorrer a incidência de negativas”, justificou o ministro. Por outro lado, Jorge Hage destacou que a média do tempo de resposta para as demandas encaminhadas ao governo federal é de apenas um terço do prazo máximo estabelecido pela lei. E o índice de recursos, de acordo com o ministro, é pequeno: cerca de 6%.

Jorge Hage ressaltou que qualquer pessoa pode acionar o sistema de informação ao cidadão do governo federal, tanto via internet quanto presencialmente, nos ministérios e principais órgãos públicos. A única exigência é o cadastramento e a maioria dos dados do formulário é de preenchimento facultativo. Apenas 5% dos pedidos de informação vêm de jornalistas: no primeiro ano de vigência da lei, foram feitas somente 5 mil solicitações de jornalistas. “Significa que a população, de um modo geral, já começa efetivamente a utilizar [a lei]”, disse o ministro. Hage relembrou que durante os primeiros anos em que o Portal da Transparência esteve no ar, apenas um pequeno número de usuários usava a ferramenta. Geralmente, eram jornalistas, membros do Ministério Público ou parlamentares de oposição. Hoje, o site tem cerca de 800 mil acessos por mês, o que indica que a população passou a usar os dados do portal.

O ministro-chefe da CGU reafirmou que as ferramentas de transparência servem como um instrumento para o cidadão, jornalistas e membros do Ministério Público e ONGs monitorarem os gastos públicos. Como consequência da maior fiscalização, o mau uso das verbas públicas tende a diminuir: “Quanto mais você informa, mais você está abrindo a administração, dando visibilidade de tudo o que ocorre. É natural que isso amplie o número de denúncias”, disse Hage. O ministro acredita que, antes das iniciativas de transparência tomadas pelo governo, as informações ficavam “submersas”. Hoje, a conscientização pode atuar como uma “vacina preventiva” contra a corrupção.

Entraves e recusas

Dines perguntou ao jornalista Chico Otávio quais foram as principais dificuldades encontradas no primeiro ano de vigência da Lei de Acesso. Para o repórter, a lei representa um avanço, mas alguns setores, como o Exército, ainda mostram resistência em divulgar os dados. Em uma pauta recente sobre as escolas de formação das Forças Armadas, quando a equipe tentava obter informações a respeito da origem dos agentes da repressão, os dados foram recusados três vezes. Na primeira alegação, o Exército ponderou que o encaminhamento havia sido feito ao órgão errado. Em seguida, que nunca havia existido escolas nesses moldes. O jornal conseguiu provar que os centros de formação funcionaram, mas a instituição, por fim, respondeu que a documentação não existia. Agora, o jornal pensa em recorrer à Justiça comum.

Para um bom repórter, recusas e negativas só aguçam a curiosidade, só aumentam as suspeitas”, advertiu Chico Otávio. O jornalista citou que colegas na redação de O Globo têm encontrado problemas para receber informações no ministério das Relações Exteriores, no BNDES e na Petrobras. Para o jornalista, nesses primeiros quatorze meses, as instituições ainda estão trabalhando de forma reativa, esperando a provocação da sociedade. “É óbvio que todos esses pedidos ficam registrados em algum lugar. E já se sabe o que se está perguntando, o que mais se quer. Então, por que esperar pelo próximo pedido? É hora de, à luz do que já foi solicitado, tomar a iniciativa de divulgar, antes de chegar o próximo pedido. Eu não vejo dificuldade nenhuma nisso”, disse Chico Otávio.

O jornalista Fernando Rodrigues lamentou que a lei ainda não tenha sido implantada de maneira homogênea em todos os poderes e esferas. “A grande dificuldade que os jornalistas enfrentam é o critério diferente que se usa em diferentes instâncias de governo. No governo federal, em geral, é onde a Lei de Acesso tem sido aplicada de maneira mais completa, mas ainda assim há bolsões de resistência dentro do governo federal”, disse o jornalista. Além das Forças Armadas, o Poder Judiciário e o Ministério Público ainda estão, paradoxalmente, bastante fechados. “Muitas vezes as informações requeridas não aparecem, não são fornecidas. Isso é um sinal de que a lei não está em pleno vigor. Agora, ela foi uma medida civilizatória para o Brasil”, argumentou Rodrigues. Para ele, as dificuldades encontradas até o momento não são uma surpresa dada a abrangência da lei e o atraso do país no que diz respeito à transparência.

Dines comentou uma recente reportagem da Folha de S.Paulo (12/8) sobre transporte público na qual o repórter informa que obteve os dados por intermédio da Lei de Acesso. Fernando Rodrigues explicou que a maioria dos jornalistas da Folha tem mencionado a lei quando usa o mecanismo para sustentar uma pauta. No mesmo dia em que a Folha trazia o texto, o seu concorrente direto, O Estado de S.Paulo, também publicava uma importante reportagem feita com base na Lei de Acesso. “Isso não significa que o mundo está perfeito. Significa que essa é uma ferramenta útil que vai ser cada vez mais usada e que tem ajudado muito o bom jornalismo. Há muitas dificuldades, mas às vezes há muito êxito quando se busca informação por meio da lei”, assegurou Rodrigues.

 




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Criado em 16/08/2013 - 21:37 e atualizado em 16/08/2013 - 21:37

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