Digite sua busca e aperte enter

Compartilhar:

Pgm 698 - Detenção David Miranda - 27/08/2013

 

Com base na Lei Antiterrorismo britânica, e sem nenhuma acusação formal, o estudante de marketing David Miranda foi interrogado pela polícia durante nove horas no aeroporto de Heathrow, em Londres. Companheiro do jornalista britânico Glenn Greenwald, que no início de junho publicou as primeiras reportagens sobre o caso Snowden no jornal The Guardian, Miranda voltava da Alemanha após uma viagem paga pela publicação. O brasileiro trazia equipamentos com novas informações vazadas pelo ex-analista de sistemas da Agência de Segurança Nacional americana (NSA, na sigla em inglês) Edward Snowden, que foram confiscados pelos agentes de segurança.

O governo brasileiro quer a devolução dos bens retidos e aguarda explicações sobre o episódio. De acordo com a Scotland Yard, o material apreendido com Miranda continha informações sensíveis que podem colocar vidas em risco. A detenção de Miranda pode ser interpretada como uma retaliação à publicação de dados sigilosos do governo norte-americano. Para a Associação Mundial de Jornais e Editores de Notícias, a atitude do governo de David Cameron põe em risco a liberdade de expressão. O Observatório da Imprensa exibido ao vivo pela TV Brasil na terça-feira (27/8) examinou as ameaças ao trabalho da imprensa nos desdobramentos do caso Snowden.

Alberto Dines recebeu no estúdio do Rio de Janeiro o diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Carlos Affonso Souza, e o editor executivo do jornal O Globo, Paulo Motta. Carlos Affonso é doutor em Direito Civil na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio). Paulo Motta foi editor de Rio e de Política, trabalhou nas editorias Geral, Meio Ambiente e Ciência do Jornal do Brasil e foi cocriador do programa de TV Globo Ecologia. Em São Paulo, o programa contou com a presença de Fábio Zanini, editor do caderno Mundo da Folha de S.Paulo. Zanini foi correspondente do jornal na África do Sul e em Londres e também repórter de Política em São Paulo e em Brasília. Formado em jornalismo pela Escola de Comunicações e Artes da USP, tem mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Londres.

Como dominó

Antes do debate no estúdio, em editorial, Dines afirmou que a detenção de Miranda não diz respeito exclusivamente à imprensa, atinge a todos os cidadãos do mundo. “A luta contra o terrorismo que serviu de pretexto para a detenção de David Miranda não pode ser travada à custa da democracia; se assim for, o terrorismo sairá sempre ganhando, já que o seu objetivo final é enfraquecer o estado de direito para impor o vale-tudo. As denúncias contra a espionagem digital americana são dirigidas contra o gigantesco aparelho de segurança dos Estados Unidos que não é uma entidade estanque, isolada, é um sistema umbilicalmente ligado, alimentado e dependente das operadoras multinacionais de comunicação digital. Cada clique que damos em nossos smartphones, tablets e notebooks, por mais inocente que seja, conecta-se de alguma maneira ao leviatã que quer saber tudo mas não admite ser devassado nem questionado.”

A reportagem do programa entrevistou Wadih Damous, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Para ele, a detenção de Miranda foi um ato despropositado e ilegal: “Fere direitos individuais da pessoa humana, fere princípios de relações internacionais. Do nosso ponto de vista, foi um ato de Estado imperialista e com conotações totalitárias. Sob a bandeira do antiterrorismo, violam-se todas as esferas de direito que são caras à civilização”. Damous criticou a falta de acusação formal contra Miranda que justificasse a detenção: “Se, de fato, há pessoas que praticam efetivamente ou estão por praticar atos de terrorismo, que sejam coibidas de acordo com as leis internacionais. Agora, simplesmente acusar uma determinada pessoa de estar envolvida com o terrorismo e a partir daí praticar atos atentatórios à liberdade individual, aos Direitos Humanos, isso é inaceitável”.

Para Maurício Santoro, representante da Anistia Internacional no Brasil, a arbitrariedade cometida contra Miranda não é um caso isolado. A instituição está questionando a Lei Antiterrorismo britânica, sobretudo a cláusula que permite a detenção mesmo que a polícia não tenha nenhum tipo de suspeita bem fundamentada. “Há várias questões nas quais esse combate ao terrorismo sem o controle democrático afeta a liberdade de imprensa. Pode ser por meio do assédio, da intimidação direta ao jornalista. Mas há ainda um problema mais grave, que é a ameaça difusa. Na medida em que os profissionais da imprensa veem esse tipo de perseguição acontecer, é natural que muitos deles vão se sentir assustados. Vão ter medo, vão querer fugir desse tipo de reportagem, se afastar desse tipo de pauta. E isso é mortífero para a qualidade do bom jornalismo e para qualidade da democracia. Se nós nos fiarmos apenas na maneira como as autoridades de diversos países têm lidado com o combate ao terrorismo, a primeira vítima dessa guerra vai ser a verdade”, advertiu Santoro.

Medida inócua

No debate ao vivo, Dines comentou que o combate ao terrorismo vem assumindo uma feição “histérica” e que a Inglaterra esqueceu-se da sua tradição de defensora da liberdade. Para Fábio Zanini, o caso David Miranda é mais um exemplo do grande dilema mundial do pós 11 de Setembro, que é o limite entre a preocupação com a segurança e o respeito às liberdades civis e de imprensa. Zanini explicou que a alegação do governo britânico para a detenção do companheiro de Greenwald é a de que ninguém está acima das leis de segurança. Para Zanini, é uma falácia o pretexto de que Miranda não é um jornalista nem estava desempenhando uma função ligada à imprensa.

Ele estava, sim, de posse de um material de interesse jornalístico que seria levado para o Glenn produzir matérias jornalísticas. O que foi feito pelo David Miranda não é muito diferente, se você vir na essência, do que acontece nas redações do mundo inteiro, inclusive do Brasil, do motoboy que é enviado para algum lugar para pegar um envelope por um jornalista da redação”, comparou Zanini. Na avaliação do jornalista, soam ridículas atitudes como destruir as provas físicas ou fazer busca e apreensão de material. “Isso é inútil. Atualmente, a informação é distribuída por redes de computadores, é armazenada em servidores, na nuvem da internet, colocada em outros países”, explicou o jornalista. Por isso, não adianta usar um “martelinho para destruir o computador”.

Na avaliação de Paulo Motta, instalou-se uma espécie de guerra entre a imprensa e os governos, inclusive nos países de tradição democrática, que passaram a ignorar a diferença entre o trabalho da imprensa e o acompanhamento de atividades terroristas. E o cidadão será afetado pelas consequências dessa quebra de fronteiras. O editor executivo de O Globo comentou que recentemente autoridades britânicas obrigaram o The Guardian a destruir HDs com material do caso Snowden porque os editores não quiseram entregar ao governo, mesmo após os jornalistas explicarem que a medida seria inócua porque havia cópias em outros locais. Motta relembrou que, mesmo durante a ditadura militar no Brasil, quando a imprensa foi fortemente censurada, os jornalistas não foram obrigados a destruir provas.

Do papel ao byte

Dines ponderou que antes das novas tecnologias de comunicação foram feitas formidáveis reportagens investigativas que chegaram a mudar os rumos da política nos Estados Unidos. Para Dines, com a universalidade da internet e a vulnerabilidade dos dados do cidadão, a sociedade corre o risco de cair nas mãos de “loucos delirantes”. Na avaliação de Paulo Motta, mesmo que a pessoa não tenha o que esconder, os governos têm o que descobrir. Nesse sentido, as redações deveriam pensar com mais cuidado em proteger os seus dados. “Eu vejo nos usuários das redes sociais uma acomodação muito grande”, criticou o jornalista. As empresas de comunicação digital faturam alto com publicidade dirigida e ainda liberam os dados dos usuários para o governo.

Paulo Motta explicou que Glenn Greenwald foi contratado como freelancer pelo jornal O Globo antes da publicação das reportagens assinadas em conjunto com José Casado e Roberto Kaz sobre o monitoramento de dados na América Latina. Assim, deixaria a condição de informante para ter as garantias que protegem os jornalistas. “Aqui no Brasil ele está protegido, assim como nos Estados Unidos. Ele assina matérias junto com os repórteres brasileiros. Ele não é um informante de jeito nenhum, neste caso”, explicou Motta. O editor ainda lembrou que Glenn já atuava como jornalista e tinha um blog.

O combate ao terror é apenas um pretexto, na opinião de Motta, porque instituições como a ONU e a Cúpula das Américas foram grampeadas. “Tinha interesses econômicos, de metadados. Tinha o Pré-Sal, os campos de petróleo do México. Isso é um poder na mão de um país ou de um grupo de países que desequilibra [as relações de força entre as nações]”, ressaltou. O jornalista sublinhou que as informações coletadas através das redes de monitoramento só são usadas pelos Estados Unidos e seus aliados, que podem ser favorecidos em questões geopolíticas e econômicas.

A culpa das empresas

Carlos Affonso Souza criticou a inércia dos governos, inclusive do Brasil, diante das revelações da rede de monitoramento das comunicações montada pelos Estados Unidos. Se, por um lado, o cidadão comum não precisa se incomodar com a vigilância porque esta é dirigida apenas a terroristas, deve-se observar que toda a atividade na internet pode ser monitorada. Mesmo ações aparentemente insignificantes, como procurar a grafia correta de uma palavra em um site de busca, podem ser rastreadas e usadas contra o cidadão. “O monitoramento é algo que ninguém deseja, ainda mais quando ele acontece em escala global, não conhecida, não informada, para finalidades que todo o mundo desconhece”, destacou o diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade da FGV.

Dines perguntou a Carlos Affonso Souza qual o papel das grandes corporações de tecnologia na rede de vigilância de comunicações norte-americana. O representante da FGV sublinhou que a espionagem por parte de governos pode ser feita por grampos ou através da parceria com empresas, que em sua maioria estão sediadas ou operam nos Estados Unidos e estão sujeitas às leis daquele país. “Existe uma vulnerabilidade de conhecimento jurídico sobre esses problemas”, comentou Carlos Affonso. Para ele, o caso Snowden é um convite para a população em geral aprender um pouco sobre privacidade e segurança de comunicações na internet. “Existem meios de fazer a sua navegação na internet ser mais segura e mais privada”, chamou a atenção o advogado especialista em tecnologia.

Para ele, há uma grande diferença entre o que a internet representava em 2011, durante a Primavera Árabe, e agora, com as notícias de que empresas como Facebook, Google e Microsoft teriam fornecido dados de usuários ao governo dos Estados Unidos. Carlos Affonso destacou que ainda são vendidas na Praça Tahir, no Egito, camisetas com o slogan “Facebook Revolution-2011”. A ideia da internet apenas como potencializadora de liberdades agora convive com a expectativa de estarmos sendo espionados.

 




Clique aqui para saber como sintonizar a programação da TV Brasil.

Criado em 04/09/2013 - 17:30 e atualizado em 04/09/2013 - 17:30

Últimas

O que vem por aí