Criada há três décadas para assegurar a inclusão no mercado de trabalho brasileiro, a lei de cotas tem realmente dado oportunidades, mas ainda enfrenta desafios para ser amplamente cumprida.
No país, as empresas com cem funcionários ou mais são obrigadas pela lei a destinar vagas para pessoas com deficiência. Atualmente, cerca de 372 mil profissionais com deficiência estão empregados na Administração Pública, em empresas públicas e sociedades de economia mista e nas empresas privadas, o que representa uma ocupação de apenas 53% das vagas reservadas.
Em municípios menores, as chances de postos formais são mais reduzidas, porque os pequenos negócios da economia local não estão sujeitos à obrigatoriedade de reserva de vagas.
Neste domingo (17), o Caminhos da Reportagem vai mostrar a realidade de pessoas com deficiência que vivem nos municípios de Soure e Salvaterra, que ficam na ilha de Marajó, no Pará.
Há 23 anos a frente da Associação de pais, amigos e deficientes de Soure, Derci Pereira ressalta que a maioria das atividades feitas por essas pessoas ainda é informal. "Temos aproximadamente 200 associados com todos os tipos de deficiência, física, auditiva, visual, síndrome de down." Ela conta que muitos deles fazem doces caseiros e bordados, que além de preservar a cultura marajoara trazem renda para as famílias.
O secretário nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, Claudio Panoeiro, reconhece que “a grande debilidade se dá fundamentalmente nas empresas de médio e pequeno porte, principalmente em municípios menores”. Uma das propostas em andamento, segundo o secretário, é um protocolo de intenções com a Associação Brasileira de Supermercados, responsável por 94 mil estabelecimentos espalhados por todo o Brasil. Uma oportunidade de gerar empregos para pessoas com deficiência em todas as partes do território nacional.
Mesmo em Belém, capital paraense, onde há um pouco mais oportunidades, o professor de educação física Davi Pontes relata que já foi desclassificado de processos seletivos de trabalho por ser usuário de cadeira de rodas. Mas não desanima: "a gente tem que continuar batendo na porta, porque uma hora ela vai abrir".
Por outro lado, São Paulo concentra um maior número de exemplos positivos. A Natura&Co tem 7% dos colaboradores com algum tipo de deficiência, um índice maior que os 5% impostos pela lei no caso de empresas deste porte. Aline Borges, uma jovem com paralisia cerebral, trabalha na Natura há anos. "Eu quero chegar algum dia num cargo de liderança e quem sabe me tornar uma vice-presidente! E também desejo que a inclusão no Brasil, de fato, aconteça. Mas que seja algo natural", projeta Aline.
Também em São Paulo, Carolina Ignarra traz outro caso de avanço. Ela criou a Talento Incluir, que já ajudou a empregar mais de 8 mil profissionais com deficiência. Na análise da CEO, "por causa da lei, as empresas querem contratar pessoas com deficiência, mas não sabem como fazer. E percebi que a minha história poderia ajudá-las a olhar para a pessoa a partir do perfil e a deficiência ser acomodada junto".
Para vencer os desafios que ainda travam a inclusão, o Brasil tem investido na troca de experiências com o programa EUROsociAL+. Para o embaixador da União Europeia no Brasil, Ignacio Ibáñez, a lei de cotas precisa se somar às medidas afirmativas, que “buscam justamente colocar as vantagens que as empresas e o setor público vão ter tendo pessoas com deficiência trabalhando com eles”.
Milena Buosi, gerente de diversidade, equidade e inclusão da Natura&Co, cita uma grande vantagem: "tendo aqui entre os colaboradores diferentes pessoas, com diferentes histórias de vida, mais próximo a gente tende a estar das nossas consultoras de beleza e dos nossos consumidores que refletem a sociedade".
Uma das experiências mostradas pelo EUROsociAL+ ao governo brasileiro é a do Grupo Once, na Espanha, que surgiu de uma organização de cegos criada há 80 anos. Hoje, o grupo tem uma fundação e um conjunto de empresas sociais. É o quarto maior empregador espanhol, com 73 mil trabalhadores, dos quais 60% têm alguma deficiência.
“A partir das experiências dos outros, e isso foi um trabalho fundamental do EUROsociAL+ , nós podemos construir um modelo que supere as fraquezas dos modelos anteriores, que corrija as imperfeições identificadas”, destacou o secretário nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, Claudio Panoeiro.
A versão do programa com audiodescrição pode ser acessada clicando AQUI.
Ficha técnica
Reportagem: Flavia Peixoto
Produção: Claiton Freitas
Imagens: André Rodrigo Pacheco
Auxílio técnico: Marcelo Vasconcelos
Edição de texto: Cintia Vargas
Edição de imagens e finalização: Jerson Portela
Apoio à produção: Julia Ballarini e Pablo Mundim
Apoio às imagens: Gilmar Vaz e Carlos Eduardo Pinotti
Apoio operacional: Jone Ferreira e Eduardo Domingues
Arte: André Maciel
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