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Repatriação: memória e identidade dos povos originários

Caminhos da Reportagem

No AR em 01/10/2023 - 22:00

“Esse manto vem para fortalecer e dizer que nós existimos, resistimos e permanecemos aqui na resistência, sempre”. É desta forma que Glicéria Tupinambá, liderança indígena da Serra do Padeiro, no sul da Bahia, refere-se ao retorno do manto Tupinambá, que há quase quatro séculos está no Museu Nacional da Dinamarca, em Copenhague.

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Manto Tupinambá que será repatriado, há quatro séculos ele está no Museu Nacional da Dinamarca - Reprodução/TV Brasil

A volta do manto, que será doado ao Museu Nacional, no Rio de Janeiro, ainda neste ano, segue um movimento de repatriação de artefatos aos países colonizados e seus povos originários, especialmente os do sul global. E funciona também como um fator de unidade e de restauração do território Tupinambá, comunidade que foi apagada com a chegada dos colonizadores europeus, assim como explica o antropólogo João Pacheco: “Os jesuítas começaram a empreender um processo de catequização nas aldeias, e [os indígenas] eram, de certa maneira, forçados a abandonar as práticas tradicionais deles de cultura, de religião, para se converter ao catolicismo. De lá para cá foi sempre uma história de invisibilidade”.

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Manto contemporâneo feito por Glicéria Tupinambá - Reprodução/TV Brasil

Além disso, para os Tupinambá, os objetos são entidades, destaca a antropóloga Renata Valente: “É um antepassado que dialoga com eles, que ensina o caminho, que de uma certa maneira orienta na luta pelo território deles”. A partir do momento que o manto Tupinambá passa a ser reativado, há o ganho de espaço de uma nova discussão, reforça a secretáriade Articulação e Promoção de Direitos Indígenas Joziléia Kaingang: “A gente pertence a um lugar. Para os Tupinambá também é assim, a reconstrução do manto, a reaproximação faz com que o território Tupinambá também se fortaleça e os Tupinambá se apropriem do território do manto e o manto se aproprie dos Tupinambá e do território”.

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Glicéria Tupinambá, artista e pesquisadora, diz que a repatriação do manto será uma forma de fortalecimento para a cultura indígena - Reprodução/TV Brasil

“A repatriação, restituição ou devolução de artefatos dos povos originários é um movimento que mostra que esses objetos estão vinculados às populações do presente e não é um problema do passado. Na verdade, quem reivindica são as populações que vivem hoje e sentem a perda daquele objeto. As demandas por restituição são no sentido de reparardores, sofrimentos, feridas”, esclarece a historiadora Márcia Chuva, acrescentando que o retorno desses objetos têm como objetivo recompor histórias, identidades e cidadanias.

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Joziléia Kaingang - secretária de Articulação e Promoção de Direitos Indígenas no Mininstério dos Povos Indígenas - Reprodução/TV Brasil

O programa ainda apresenta outra situação de saída de acervos nacionais que podem ser enquadradas no movimento de repatriação. O Museu do Índio, no Rio de Janeiro, conseguiua devolução de mais de 600 artefatos indígenas, que estão de forma irregular no Museu de História Natural de Lille, na França. O conjunto ficou pelo menos 15 anos no museu europeu e deveria ter retornado em 2009, segundo o governo brasileiro. Entre os itens, um tronco de madeira usado pelos Kamaiurá durante o Kuarup, ritual de despedida dos mortos,como explica Kanaiaku Kamaiurá: “Ele é um ritual onde a família que perdeu seu ente querido faz esse processo para retirada do luto. E ele é um dos rituais mais longos que tem, o pajé entra na mata e escolhe o tronco que vai receber o espírito daquela pessoa que se foi, para ser levado para o centro da aldeia, e ser enfeitado. E a família poder chorar pela última vez".

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Kaianaku Kamaiura relembra que alguns objetos que serão repatriados são parte fundamental de rituais indígenas - Reprodução/TV Brasil

Juliano Almeida, coordenador de Patrimônio Cultural do Museu do Índio, afirma que trazer esses acervos de volta significa oferecer instrumentos de luta e garantir os direitos dos povos indígenas. “As comunidades, os povos indígenas que têm relação com os objetos, eles precisam ter resguardado a eles o direito de se aproximar das peças, de interagir com as peças, porque tudo para nós tem uma conceituação espiritual”, enfatizou Joziléia Kaingang.

Ficha técnica:

Reportagem: Luciana Góes e Priscila Thereso
Roteiro e edição de texto: Luciana Góes
Edição e finalização de imagem: Eric Gusmão
Produção: Luciana Góes
Apoio produção: Yuri Griem (estagiário)
Reportagem Cinematográfica: Eusébio Gomes, Gilson Machado, Luciana Góes,
Priscila Thereso e Rodolpho Rodrigues
Auxílio Técnico: Yuri Freire
Arte: Alex Sakata e Caroline Ramos

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Criado em 28/09/2023 - 14:25

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