Leishmaniose e Doença de Chagas são doenças que têm muito em comum: são transmitidas por vetores, por insetos, e são consideradas negligenciadas, ou seja, afetam uma população mais pobre. As duas estão presentes em diversas regiões do Brasil. O Caminhos da Reportagem desta semana, que vai ao ar no domingo (10), às 22h, viaja a dois estados no Brasil – Mato Grosso e Pernambuco - para contar histórias de quem convive com estas doenças.
Segundo Márcia Hueb, médica infectologista e professora da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), a leishmaniose é uma doença infecciosa que não é contagiosa, ou seja, não passa de uma pessoa para outra. Existe a leishmaniose tegumentar, que pode causar lesões na pele e também lesões nas mucosas; e a leishmaniose visceral, que acomete vísceras e órgãos internos. “Essa é uma doença que não desperta o interesse da grande indústria, porque ela não vai reverter em lucro. São doenças que acometem populações muito empobrecidas, populações negligenciadas”.
O aposentado Benedito Cambará ficou 20 dias internado no Hospital Universitário Júlio Müller, em Cuiabá, em decorrência da leishmaniose, que afetou a mucosa da boca. Alguns dias depois que recebeu alta, nossa equipe de reportagem esteve na casa dele, em Cáceres, a mais de três horas de distância de Cuiabá. Esta foi a segunda vez que o aposentado realizou tratamento para leishmaniose. Na primeira vez, ele interrompeu a medicação e agora, na segunda, a filha, Aparecida, se encarregou de supervisionar o tratamento do pai.
A leishmaniose é causada pelo protozoário leishmania e transmitida pela picada da fêmea de um inseto popularmente conhecido como mosquito palha. Também transmitida por um inseto, a Doença de Chagas é considerada a mais brasileira das doenças tropicais. O transmissor, nesse caso, é conhecido como barbeiro. A transmissão acontece pelas fezes do barbeiro depositadas sobre a pele da pessoa, enquanto o inseto suga o sangue. A picada provoca coceira, facilitando a entrada do tripanossomo no organismo, o que também pode ocorrer pela mucosa dos olhos, do nariz e da boca ou por feridas e cortes recentes na pele. Outras formas mais comuns de transmissão são via oral e transmissão vertical via placenta (mãe para filho).
A Casa de Chagas, no Recife, Pernambuco, foi a primeira totalmente dedicada ao tratamento de Doença de Chagas no mundo. A instituição é considerada referência no país, e todos os dias recebe em média 60 pacientes, que vão para consultas, exames e para o controle do marca-passo, utilizado por muitas pessoas com a doença. “Aqui no ambulatório são atualmente 850 pacientes cadastrados e a gente vê claramente que a doença predomina nas classes menos favorecidas, e isso é algo também que dificulta o tratamento dessas pessoas, que muitas vezes não tem acesso”, explica o médico cardiologista Wilson de Oliveira, que também é professor na Universidade Federal de Pernambuco.
Jadel Muller Kratz, gerente de Pesquisa e Desenvolvimento da DNDi, afirma que nos últimos 40 anos menos de 1% dos medicamentos produzidos no mundo foram para as doenças tropicais negligenciadas, como a Doença de Chagas e a Leishmaniose. Ainda hoje há poucas opções de tratamento e os medicamentos existentes são tóxicos, com muitos efeitos colaterais, e difíceis de serem usados em áreas de difícil acesso.
A aposentada Severina da Silva foi picada por um barbeiro contaminado ainda quando jovem. Hoje, aos 91 anos, ela tem que conviver diariamente com os medicamentos para o coração, afetado pela Doença de Chagas. Desde a década de 1980, ela faz trabalho voluntário na Casa de Chagas e ajuda outras pessoas que também têm a doença. “Eu gosto de ajudar e eu me sinto bem quando eu faço qualquer coisa para uma pessoa. Eu acho que estou fazendo aquilo ali para o meu bem, não para o seu bem, porque se eu me sinto feliz eu vou melhorar cada dia mais”.
Ficha técnica:
Reportagem: Ana Graziela Aguiar
Produção: Ana Graziela Aguiar e Tiago Bittencourt
Apoio à produção: Aline Beckstein
Imagens: Alexandre Silva e Sigmar Gonçalves
Apoio às imagens: Ronaldo Parra
Auxílio técnico: Alexandre Sousa
Edição de texto: Flávia Lima
Edição de imagens e finalização: Rivaldo Martins
Artes: Eudes Lins
Agradecimentos: Iniciativa medicamentos para doenças negligenciadas (DNDi)
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