Digite sua busca e aperte enter

Compartilhar:

Brigue Camargo: história da escravidão no fundo do mar

Caminhos da Reportagem

No AR em 06/08/2023 - 22:00

A história de um navio escravista afundado pelo seu próprio comandante em Angra dos Reis, no litoral fluminense, vem sendo contada e recontada há várias gerações no Quilombo Santa Rita do Bracuí.

“Não foi um acidente, foi uma chacina”, afirma a liderança quilombola Luciana Adriano da Silva, já que muitos dos africanos transportados forçadamente teriam sido abandonados para morrer no mar. Encontrar a embarcação e “fazer esta denúncia para o mundo é uma das formas de reparação por tudo o que os nossos antepassados sofreram,” completa.

Quilombolas acompanham as buscas pelo brigue Camargo
Quilombolas acompanham as buscas pelo brigue Camargo - Divulgação/TV Brasil

Passados 170 anos do naufrágio, arqueólogos mergulham na Baía da Ilha Grande para buscar o brigue Camargo, envolvido num dos episódios mais emblemáticos do período em que o tráfico transatlântico de africanos escravizados já havia sido proibido no Brasil, mas continuava a ocorrer de forma clandestina debaixo das vistas grossas das autoridades. Segundo o arqueólogo Luís Felipe Santos, presidente do Instituto AfrOrigens, existem diversos achados, alguns compatíveis com o período estudado. Mas ainda serão feitas análises antes da conclusão da pesquisa.

Luis Felipe, presidente do Afrorigens
Luis Felipe, presidente do AfrOrigens - Divulgação/TV Brasil

Em dezembro de 1852, o capitão norte-americano Nathaniel Gordon trouxe 500 moçambicanos para serem escravizados nas fazendas de café do Vale do Paraíba.  Perseguido pela patrulha naval, afundou o barco e fugiu disfarçado de mulher.  Dez anos mais tarde, depois de ser pego no comando de outra embarcação escravista, Gordon foi a primeira e única pessoa a ser julgada e enforcada pelo crime de tráfico de africanos nos Estados Unidos, diz o documentarista Yuri Sanada, diretor da produtora Aventuras Produções e roteirista de um filme a ser produzido sobre o malfadado capitão.

Aqui no Brasil, a polícia entrou nas fazendas para apreender os africanos recém-chegados e investigou os fazendeiros envolvidos na organização criminosa.  Era a primeira vez que o império brasileiro tomava uma atitude em relação ao tráfico ilegal, afirma Martha Abreu, professora do Instituto de História da Universidade Federal Fluminense. “Chegaram outros navios?  Podem ter chegado, mas realmente a partir do Camargo foi um sinal, olha, não dá mais.”

O antigo engenho do Bracuí era uma fachada para o tráfico de africanos escravizados, afirmam quilombolas e pesquisadores
O antigo engenho do Bracuí era uma fachada para o tráfico de africanos escravizados, afirmam quilombolas e pesquisadores - Divulgação/TV Brasil

Um dos envolvidos no escândalo era o comendador José de Souza Breves, proprietário do antigo engenho Santa Rita do Bracuí, atual território do quilombo. Segundo a griô e coordenadora da Associação de Remanescentes do Quilombo Santa Rita do Bracuí (ARQUISABRA), Marilda de Souza Francisco, a propriedade era na verdade uma fachada para o tráfico. Uma estrada que passava por dentro da fazenda levava os africanos aos cafezais da cidade de Bananal, no interior de São Paulo.

Julio Cesar Marins, arqueólogo faz pesquisa de mestrado sobre o brigue Camargo
Julio Cesar Marins, arqueólogo faz pesquisa de mestrado sobre o brigue Camargo, por Divulgação/TV Brasil

Depois de mais de um século de resistência e batalha por reconhecimento, o quilombo está prestes a receber o título das terras pelo Incra e espera que a história do brigue Camargo não seja esquecida. Uma das ideias em discussão é que o local do naufrágio se torne um ponto de visitação turística em benefício da comunidade.

Região dos mergulhos em Angra dos Reis
Região dos mergulhos em Angra dos Reis - Divulgação/TV Brasil

As buscas são financiadas pelo Slave Wrecks Project, da rede americana de museus Smithsonian, que rastreia naufrágios no oceano Atlântico. Nos últimos anos, navios escravistas já foram encontrados nos Estados Unidos e Moçambique. “A proposta do projeto é fazer com que este passado seja útil no presente”, diz Stephen Lubkemann, co-diretor do Slave Wrecks Project. 

Se os pesquisadores de fato encontrarem o brigue Camargo, será um feito inédito.  “O apagamento histórico é muito forte. A nossa pesquisa é a primeira de um navio escravagista no Brasil, depois de tantos e tantos anos,” afirma o arqueólogo Julio Cesar Marins.

O programa vai ao ar neste domingo (06/08) às 22h, na TV Brasil.

Ficha técnica
Reportagem e edição de texto: Ana Passos
Reportagem cinematográfica: Rodolpho Rodrigues
Auxílio técnico: Cláudio Tavares
Produção: Ana Passos, Ícaro Matos e Thaís Chaves
Edição de imagem e finalização: Diego Lourenço e Ubirajara Abreu
Tradução: Mario Nunes
Arte: Alex Sakata e Caroline Ramos
Tema do programa: Ricardo Vilas
Pesquisa de trilhas: Tereza Eustáquio

Vista aérea do Quilombo Santa Rita do Bracuí
Vista aérea do Quilombo Santa Rita do Bracuí - Divulgação/ TV Brasil

Clique aqui para saber como sintonizar a programação da TV Brasil.

Criado em 04/08/2023 - 13:50

Últimas

O que vem por aí