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Era uma vez… Brenda Lee!

Caminhos da Reportagem

No AR em 09/06/2024 - 22:00

Considerada uma referência na luta pelos direitos das pessoas com HIV/Aids, Brenda Lee foi pioneira em sua comunidade. Na década de 1980, no auge da epidemia da Aids, a travesti abriu as portas de sua pensão, dando origem ao primeiro centro de acolhimento para travestis com HIV na América Latina. A história da vida de Brenda Lee, sua solidariedade às travestis e os frutos que deixou até hoje, 28 anos depois de sua morte, são o tema do Caminhos da Reportagem

Tornar-se travesti foi um longo processo para Brenda. Ela nasceu como Cícero Caetano Leonardo, em 10 de janeiro de 1948, na pequena cidade de Bodocó, no sertão pernambucano. Aos 13 anos, mudou-se com a mãe e irmãos para o Rio de Janeiro. Com vergonha do comportamento afeminado, fugiu da família e rumou para São Paulo, onde adotou o nome de Caetana, como ficou conhecida entre as pessoas mais próximas. Mais tarde, Caetana começa a usar Brenda Lee como nome artístico, inspirado na cantora dos Estados Unidos, que ficou famosa pelo hit “Jambalaya”. 

Caminhos da Reportagem - Brenda Lee no documentário Dores de Amor, de 1988
Brenda Lee no documentário Dores de Amor, de 1988 - Divulgação/TV Brasil

Contudo, a São Paulo dos anos 1970 era hostil à diversidade sexual. “As polícias tinham um direito tácito, não oficial, de fazer o que elas quisessem, com quem elas quisessem, a hora que elas quisessem”, diz o pesquisador Ubirajara Caputo, que estuda a vida de Brenda Lee. Além do abandono da família, as travestis enfrentavam a violência de grupos de ódio e do aparato da repressão da Ditadura Militar. Para sobreviver, muitas recorreram à prostituição, como a própria Brenda Lee: “Vida de travesti de rua foi um pouco difícil no início, né? O que me deu coragem e eu me senti obrigada foi quando a polícia começou a perseguir a gente, prender, pôr em cana, torturar”, disse ela, em uma entrevista nos anos 1990. 

Brenda Lee começou a prosperar e comprou alguns imóveis. Em um deles, na rua Major Diogo, na região central de São Paulo, abriu um pensionato que abrigava travestis que eram abandonadas pela família ou que chegavam à capital paulista para ganhar a vida. Logo Brenda ficou conhecida na imprensa, e o local foi chamado de “Palácio das Bruxas”. A partir dessa ofensa, Brenda Lee batizou a casa de “Palácio das Princesas”. 

Caminhos da Reportagem - A Casa de Apoio Brenda Lee, em São Paulo, foi o primeiro centro de acolhimento para travestis com HIV na América Latina
A Casa de Apoio Brenda Lee, em São Paulo, foi o primeiro centro de acolhimento para travestis com HIV na América Latina - Divulgação/TV Brasil

Uma nova escalada de violência contra travestis se deu com a epidemia da Aids. A pensão de Brenda Lee, então, passou a ser um espaço de saúde. A Secretaria Estadual de Saúde entrou em contato com Brenda para que ela recebesse um paciente com Aids, que tinha alta médica, mas não tinha onde ficar. Brenda aceitou, e teve início a história da Casa de Apoio Brenda Lee. A partir de um convênio com o governo estadual, o local passou a receber pessoas com HIV que precisavam de acompanhamento. “Quem a Brenda recebia na casa dela eram as pessoas que não estavam tão doentes para ficarem internadas no hospital, mas não tinham para onde ir e que precisavam de no mínimo três alimentações por dia, tomar remédio na hora certa, enfim, precisavam de cuidados, mas não estavam sob cuidados hospitalares”, conta Ubirajara. 

Caminhos da Reportagem - O pesquisador Ubirajara Caputo pesquisa a vida de Brenda Lee
O pesquisador Ubirajara Caputo pesquisa a vida de Brenda Lee - Divulgação/TV Brasil

Considerada a “anjo da guarda das travestis”, Brenda morreu de forma trágica em 28 de maio de 1996, aos 48 anos, assassinada pelo namorado e pelo irmão dele, que era policial militar. Hoje o sobrado na rua Major Diogo não atua mais com cuidado a pessoas com HIV, mas o exemplo de Brenda Lee segue alimentando outras iniciativas. 

O musical “Brenda Lee e o Palácio das Princesas” ganhou os palcos em 2022 e arrebatou público e crítica. A peça rendeu o prêmio da APCA de melhor espetáculo, e a protagonista Verónica Valenttino foi a primeira travesti a ganhar os prêmios Bibi Ferreira de atriz revelação e Shell de melhor atriz. Verónica diz que Brenda foi um divisor de águas em sua carreira: “Esse processo é passado de gerações para gerações de travestis. Então é muito bonito pesquisar, porque quando eu buscava fora a Brenda, eu pude entender que eu tinha que buscar dentro, sabe?”. 

Caminhos da Reportagem - Cursinho TransFormando atende população LGBTQIAPN+ na zona leste de São Paulo
Cursinho TransFormando atende população LGBTQIAPN+ na zona leste de São Paulo, por Divulgação/TV Brasil

A educadora popular Núbia Verneck também se inspira no trabalho de Brenda. Ela atua na favela de Heliópolis, uma das maiores do país, em um projeto que promove educação sexual para jovens, o que inclui informações sobre a prevenção do HIV/Aids. “Brenda Lee é um ícone, uma mulher trans que possibilitou que hoje a gente pudesse chegar em outros lugares para as pessoas que vivem com HIV”, diz. 

Outra iniciativa é o Cursinho Popular TransFormando - Unidade Brenda Lee, com foco na comunidade LGBTQIAPN+, especialmente a população trans. Aluna do cursinho, Uyara Aidê sonha em estudar audiovisual e resume a importância de Brenda para as novas gerações: “Eu acho que Brenda Lee representa esperança, né? Que a gente possa experimentar a possibilidade de viver como qualquer outra pessoa”. 

Ficha Técnica: 

Produção e Reportagem - Thiago Padovan 
Apoio à produção - Flávia Peixoto 
Apoio operacional à produção - Acácio Barros e Lucas Cruz 
Reportagem cinematográfica - Alexandre Nascimento, JM Barboza e Jefferson Pastori 
Apoio à reportagem cinematográfica - Sigmar Gonçalves 
Auxílio técnico - Jone Ferreira, Rafael Carvalho, Maurício Aurélio Marcelo e Wladimir Ortega 
Apoio ao auxílio técnico - Jairom Rio Branco 
Edição de texto - Márcio Garoni 
Edição de imagens e finalização - Rodrigo Botosso 
Assessoria - Maura Martins 
Design - Caroline Ramos  
Videografismo - Alex Sakata 
Trilha sonora - Ricardo Vilas 

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Criado em 07/06/2024 - 13:30

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